A doença de Parkinson é o distúrbio do movimento neurodegenerativo mais comum do mundo, afetando cerca de 1% da população com mais de 60 anos. O principal achado patológico da doença, até o momento, se concentra na perda de neurônios dopaminérgicos da substância nigra, responsável pelos principais sintomas clínicos da doença, incluindo bradicinesia, rigidez, tremor e alteração postural.
Nos últimos anos, no entanto, houve significativo progresso na análise da genética na doença de Parkinson. As descobertas nos estudos de associação genética têm trazido esperança na busca por terapias mais eficientes no combate ao progresso desta enfermidade, iniciando uma nova era de investigação da genética no Parkinson.
O progresso do estudo da genética na doença de Parkinson
A doença de Parkinson foi durante muito tempo encarada como unicamente esporádica, sem se considerar qualquer contribuição da genética para sua complexa progressão. Em 1997, a partir de diferentes estudos sobre o tema, chegou-se na identificação de mutações responsáveis pelo aparecimento do Parkinson no gene codificante α-sinucleína (SNCA), o que mudou para sempre a visão da comunidade científica em relação à doença de Parkinson.
Pouco tempo depois da descoberta deste gene codificante, novos genes foram associados à doença de Parkinson, localizados em regiões cromossômicas diferentes das descobertas anteriores, levando à percepção de que o Parkinson é uma doença poligênica (causada por uma combinação de fatores ambientais, mutações em genes múltiplos e envelhecimento). Desde então, vários outros genes implicados no aparecimento do Parkinson, bem como várias formas monogênicas da doença e diversos fatores de risco genético foram identificados.
Diversas mutações altamente penetrantes produzindo formas raras da doença em genes como SNCA, Parkina, DJ-1, PINK1, LRRK2 e VPS35 foram identificadas. Também se verificou que diversas penetrâncias incompletas em genes como LRRK2 e GBA são fortes fatores de risco no desenvolvimento do Parkinson. Adicionalmente a tudo isso, mais de vinte variantes genéticas comuns foram associadas à modulação do risco para a doença de Parkinson.
As investigações das formas genéticas mendelianas do Parkinson, ou seja, de como o conjunto de princípios relacionados à transmissão hereditária das características de um organismo a seus filhos se relacionam com a doença de Parkinson, vêm fornecendo informações preciosas no que diz respeito à compreensão da fisiopatologia das formas mais comuns da doença.
Os fatores de risco genético reconhecidos na doença de Parkinson
Vários genes de suscetibilidade e fatores de risco foram associados à doença de Parkinson nos últimos anos. O sucesso neste campo de investigação foi conseguido graças a estudos do genoma humano, mas nem todos foram bem aceitos e bem sucedidos. Neste momento, são três os genes reconhecidos como fatores de risco genético para a doença de Parkinson:
1 – α-sinucleína (SNCA)
Após a descoberta de diferentes mutações raras no gene SNCA, prosseguiu-se uma época forte de investigações na área genética na doença de Parkinson. Diversos pesquisadores procuraram verificar se existia algum tipo de variabilidade comum no gene SNCA, de forma a perceber se este gene estaria também associado ao risco de aparecimento do Parkinson em sua forma esporádica.
Inicialmente o estudo indicou que o genótipo APOE, um importante fator de risco para a doença de Alzheimer de instalação tardia, interagia com um dinucleótido variável presente no gene SNCA. Essa interação não apresentou replicação. No entanto, mais tarde, foi-se comprovado a existência de variantes de risco para o Parkinson entre os alelos promotores (formas alternativas de um mesmo gene gerado por mutações) do gene SNCA.
Isso foi fundamental para que os pesquisadores demonstrassem, inequivocamente, a ocorrência de uma associação entre a variabilidade genética que ocorre na SNCA com a doença de Parkinson. Desde então, a associação entre Parkinson e o gene SNCA tem sido altamente comprovado através de diferentes estudos de associação genética, permitindo identificar uma quantidade significativa de variações genéticas e revelando informações importantíssimas sobre a arquitetura do risco genético deste gene.
2 – LRRK2
A identificação das mutações no gene LRRK2 como uma das causas do desenvolvimento da doença de Parkinson, foi obtida graças à complexa análise em diferentes populações.
A variante G2385R foi a primeira a ser identificada como uma causa da doença de Parkinson em populações asiáticas. Ela está presente em 5% da população e, mais tarde, provou-se que se tratava de um alelo (gene alternativo gerado por mutação) que duplica o risco de instalação do Parkinson.
Essa descoberta foi amplamente observada em pacientes asiáticos que habitavam diferentes áreas geográficas como Taiwan, China, Coréia, Singapura e
Japão. Em 2008, outra variante foi associada à duplicação do risco de desenvolvimento da doença de Parkinson nas populações asiáticas: a R1628P.
Além dessas variantes, várias outras do gene LRRK2 foram avaliadas e mostraram obter níveis de variação suficientes para serem associadas ao risco de aparecimento do Parkinson.
Esse gene é várias vezes identificado em populações caucasianas através de estudos de associação genética. Porém, até o presente momento, sua variação danosa para estas populações continua a ser uma incógnita que requer análises mais aprofundadas.
3 – Glucocerebrosidase (GBA)
A observação clínica foi o fator preponderante para a descoberta do fator de risco da GBA para a doença de Parkinson. Este gene vem sendo, há muito tempo, associado à doença de armazenamento lisossomal conhecida como doença de Gaucher.
O fato ocorreu quando um grupo de pesquisadores percebeu que uma porção significativa de pacientes com a doença de Gaucher apresentavam sintomas de parkinsonismo, permitindo utilizar esses dados para formular hipóteses que associavam a deficiência no gene GBA à predisposição para o parkinsonismo.
Mais tarde, os pesquisadores foram capazes de provar que a herança de uma única mutação do gene GBA aumenta o risco de aparecimento da doença de Parkinson. As meta análises de dados indicam, de modo geral, que uma única cópia desta mutação aumenta em cerca de cinco vezes o risco para a doença de Parkinson.
Vários estudos provaram que a atividade da glucocerebrosidase é mais baixa em pacientes com mutações no gene GBA e em parkinsonianos, o que prova o seu preponderante papel no aparecimento e progressão da doença de Parkinson.
Quais as perspectivas quanto ao estudo da genética no Parkinson?
Vários estudos e propostas foram enunciadas para tentar explicar as formas ainda desconhecidas do Parkinson que admitem a combinação de fatores ambientais associados a variantes genéticas na doença. Espera-se, portanto, que os próximos anos surjam avanços importantes nas tecnologias e nos sistemas tecnológicos que nos tornem capazes de abarcar a enorme quantidade de dados gerados em cada análise genética e, assim, fornecer informações mais específicas acerca dos antecedentes genéticos da doença de Parkinson e seus potenciais fatores predisponentes.
Acredita-se que a melhor percepção dos mecanismos moleculares implicados na progressão do Parkinson ajudará no alcance de terapias mais específicas para o combate da doença. O caminho ainda é longo, mas devemos tomar ciência que a genética na doença de Parkinson estarão presentes nos estudos que trarão mais respostas na compreensão desta doença.
*Referências
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