Síndrome de Tourette: O que é, sintomas, tratamento e muito mais

Autor: Dr. Erich Fonoff

CRM (SP): 93.868

Qual a origem do nome “Tourette” a esta síndrome?

A maioria das pessoas não sabe que Gilles não era seu primeiro nome; na verdade era uma parte de seu sobrenome. O neurologista francês nasceu como Georges Albert Édouard Brutus Gilles de la Tourette em 30 de outubro de 1857. Aos 16 anos, iniciou a faculdade de medicina em Poitiers, na França. Sua mãe não o deixou estudar em Paris porque achava que a cidade do amor tinha muitas tentações para o jovem Georges. O principal modelo de Gilles de la Tourette era um médico chamado Dr. Renaudot.

Durante sua carreira, Renaudot iniciou um sistema de consultas médicas gratuitas para os pobres e publicou o primeiro manual francês de “autodiagnóstico”. Para homenagear Renaudot, Gilles de la Tourette escreveu uma biografia de sua vida e usou os lucros para erguer uma estátua dele na cidade. Em 1884, Gilles de la Tourette, agora um médico ativo, começou a examinar distúrbios motores paroxísticos.

Ele levantou a hipótese de que vários distúrbios dos movimentos estariam relacionados a uma alteração neurológica chamada coreia (outro distúrbio de movimento envolvendo um lado do corpo), e publicou um relato detalhado de vários pacientes, incluindo a Marquesa de Dampierre. Georges a conheceu quando ela tinha 50 anos. Ela foi, assim, o primeiro caso documentado de Síndrome de Tourette (ST), ou Tourette Syndrome (TS), na literatura médica, descrita por outro médico em 1825, quando ela era muito mais jovem. A Marquesa, uma nobre senhora, tinha tiques, movimentos estranhos e vocalizações involuntárias (a coprolalia – tiques vocais com significado de palavrões – e ecolalia – repetição de palavras e sílabas).

Infelizmente, ela foi forçada a viver em reclusão pela repercussão social de seu comportamento e tiques sem tratamento, embora tenha vivido até os 85 anos. Em seu relato, Georges observou que todos esses pacientes apresentavam sintomas semelhantes, que os sintomas persistiam ao longo do tempo e que as declarações eram muitas vezes em “nítido contraste” com a formação e antecedentes dos pacientes. Ele teorizou que esta deve ser uma condição hereditária progressiva, intitulando o artigo “Maladie des Tics” (doença dos tiques). Ao fazê-lo, iniciou um debate na comunidade médica sobre a origem da ST, que até os dias de hoje não é bem conhecida a origem das alterações cerebrais que causam os tiques e outras manifestações da doença, que atualmente é aceita sua origem neurológica e não psicológica.

Outro importante neurologista francês, Charcot, mais tarde renomeou a síndrome como “doença de Gilles de la Tourette” em sua homenagem, assim como o fez para a doença descrita por James Parkinson, ou seja Doença de Parkinson.

Mas o que é a Síndrome de Tourette?

A Síndrome de Tourette (ST) é um distúrbio de comportamento em que a pessoa apresenta múltiplos tiques motores associados a tiques vocais que ocorrem no período de pelo menos um ano, ou seja, para ser considerado como ST, os tiques devem ocorrer por períodos prolongados. Tiques eventuais e de curta duração são muito mais comuns e, em geral, não são considerados parte da síndrome. A ST comumente tem início na infância ou adolescência e pode perdurar por anos se não tratada adequadamente. Em muitos casos a maioria dos tiques são leves e não provocam incômodo, e podem até ser quase imperceptíveis, mas em outros casos podem causar bastante incômodo, desconforto corporal, ansiedade exacerbada, prejuízo no rendimento escolar e profissional e levar a dificuldades de convivência social.

De acordo com os últimos critérios do DSM-V (Manual de Diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – versão V), a ST passou, na versão mais recente do manual, a ser classificada como distúrbio do movimento na seção de transtornos do neurodesenvolvimento e seu diagnóstico é baseado na ocorrência persistente de pelo menos um tique vocal e dois motores com início antes dos 18 anos de idade e duração superior a 1 ano, excluindo outras causas. Os tiques são definidos como movimentos e vocalizações súbitos, curtos, intermitentes, “semi-involuntários” (podem ser suprimidos temporariamente) que são precedidos por um desejo ou impulso premonitório. Embora não haja apenas uma causa identificada, acredita-se que a ocorrência da ST pode ser facilitada por fatores genéticos, ou seja, a história familiar de tiques ou distúrbios de comportamento é bastante frequente nesta população.

Os pacientes com ST também podem apresentar outras comorbidades psiquiátricas, como depressão, ansiedade e impulsividade, distúrbios do sono, distúrbios de aprendizagem e, em alguns casos, comportamento autolesivo. Sob avaliações mais detalhadas pode se identificar concomitância de outros diagnósticos como o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtornos do controle de impulsos, transtorno do espectro do autismo e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).

Todos os tiques são considerados como parte da ST?

Muitas pessoas podem ter tiques sem que isso realmente faça parte de uma doença específica ou grave. Tiques podem ser diversos e aparecem lentamente como hábito de fazer algum movimento sem propósito, ou mesmo podem aparecer repentinamente e desaparecer sem que se faça qualquer intervenção. Os tiques podem ter duração de semanas ou meses, mas eventualmente podem permanecer até por vários anos de modo isolado, sem que seja considerado parte da Síndrome de Tourette. Mas a tendência é deixarem de ocorrer com o passar do anos. Os tiques mais comuns são movimentos rápidos na face, pescoço e mãos semelhantes a movimentos habituais e podem envolver produção de sons com a boca (como cliques), na garganta (pigarro), tosse curta ou mesmo sons associados a repuxões na face, piscamento dos olhos, franzir a testa ou contrações semelhantes a alongamento dos músculos da face (que dão origem a uma careta ou “bico”), pescoço, ou elevação dos ombros etc.

Embora não seja definida a cura da ST, o prognóstico na maioria dos casos é bom e com boas respostas aos tratamentos. Normalmente, entre 15 e 17 anos de idade, a maioria dos pacientes com ST apresentam diminuição na frequência e gravidade dos tiques. No início da idade adulta, cerca de três quartos dos adolescentes com ST mostram melhora considerável nos sintomas e cerca de um terço deles ficam livres de tiques. Embora não afete a cognição e o próprio intelecto, essa condição pode causar sobrecarga funcional e social significativa, afetando às vezes o desenvolvimento normal nas atividades escolares e profissionais. O tratamento inclui principalmente terapia comportamental e medicamentos orais, isoladamente ou em associação. Mas há também tratamentos com neuromodulação com estimulação magnética transcraniana – EMT (TMS – Transcranial magnetic stimulation) técnica não invasiva, realizada ambulatorialmente em sessões diárias. Atualmente, há uma variedade de medicamentos psicoativos que interagem com a dopamina (agentes antipsicóticos típicos, mas principalmente atípicos) e com circuitos não dopaminérgicos (como os agonistas α2), associados ou não à terapia comportamental, e intervenções psicoeducativas com respostas variáveis. As injeções de toxina botulínica localizadas podem ser eficazes em tiques focais, buscando a musculatura que mais esteja envolvida na gênese dos tiques. No entanto, há pacientes que não se beneficiam da medicação devido à má resposta ou devido a efeitos colaterais desagradáveis que limitam ainda mais seu uso. Esse subconjunto de pacientes pode evoluir com a persistência dos tiques, tornando-se refratário ao tratamento. Tais pacientes podem ser gravemente envolvidos na doença e tornar-se adicionando sofrimento e incapacidade laboral ou para frequentar escola e convivência social. Nesse cenário, procedimentos cirúrgicos minimamente invasivos, em especial, a estimulação cerebral profunda (DBS) pode ser considerada como uma opção terapêutica adicional para o controle dos sintomas, uma vez que os benefícios clínicos foram demonstrados e as complicações raras.

Os mecanismos da doença ainda não são completamente conhecidos e impulsionam parte do risco e sua hiperatividade nos circuitos de dopamina parece desempenhar um papel fundamental na fisiopatologia da ST. A gestão começa com a educação sobre a natureza dos tiques. Quando os tiques prejudicam a qualidade de vida, há muitas opções de tratamento estabelecidas e em evolução que podem ser considerado. Esta revisão discutirá atualizações de tratamento para ST, incluindo comportamentais e outros não farmacológicos intervenções, estratégias farmacológicas e abordagens neuromodulatórias.

Tratamento

Intervenções não farmacológicas

Embora a farmacoterapia desempenhe um papel importante no tratamento da ST, o entendimento claro sobre a doença como condição neurológica, por parte da própria pessoa, familiares e da convivência social mais próxima em geral minimiza os impactos negativos dos tiques e comportamentos que possam carrear significado, em geral negativo e aversivo. Por isso, abordagens comportamentais e psicoterapia auxiliam muito e são muitas vezes consideradas de primeira linha, incluindo psicoeducação, intervenções comportamentais.

Psicoeducação e Terapia de Suporte

A psicoeducação e a terapia de suporte (PST) podem ajudar a mitigar mal-entendidos relacionados à ST, além de reduzir estigmas relacionados à doença que possam ser claramente percebidos ou até subliminarmente percebidos por pessoas na convivência social. Assim, o melhor entendimento sobre a doença pode fornecer explicações apropriadas mesmo que haja dificuldades relacionadas à idade de incidência da ST e comorbidades associadas. Desta forma, melhorar o conhecimento da população geral sobre a ST, que inclusive é objetivo desta publicação, reduz equívocos e mal entendidos em eventuais situações constrangedoras.

Por outro lado, o diagnóstico deve ser sempre realizado por médicos familiarizados com a ST e, se possível, especialistas, pois rótulos diagnósticos indevidos podem causar mais mal do que bem à pessoas e familiares por provocarem expectativas negativas de certos comportamentos ou mesmo sintomas exacerbados. Portanto, é importante que as informações sejam utilizadas para aumentar a conscientização e promover a aceitação das pessoas para esta condição de saúde. Ou seja, há evidências de benefícios quando tais intervenções acompanham a farmacoterapia.

Hoje estão disponíveis na internet imagens e vídeos de comportamentos típicos de alguém com manifestações clínicas da ST, que podem ser acessadas gratuitamente e até filmes produzidos para veicular o tema da ST. Consideramos que informações confiáveis são essenciais para apoiar as pessoas e profissionais envolvidos no tratamento visando o bem-estar. A comunicação virtual e o uso das mídias sociais dispararam diante da pandemia do COVID-19, e os indivíduos, principalmente os adolescentes, recorrem cada vez mais a Internet e as mídias sociais para informações sobre saúde. No entanto, o aumento do consumo de informações sobre ST diretamente de fontes públicas com precisão variável, combinada com isolamento e necessidade de conexão, podem ter contribuído para o aumento da frequência de início explosivo funcional semelhante a tiques comportamentais. As redes sociais expõem vídeos com manifestações e comportamentos muito particulares e extremos, e comunidades virtuais encorajaram o compartilhamento de tiques e consequentemente a classificação de gravidade destes sintomas. Embora os grupos de suporte online ofereçam muitos pontos positivos em relação à aceitação pela comunidade, bem como e informações quanto a ST, eles podem propagar involuntariamente ideias imprecisas e assim influenciar a expressão de tiques ou até sugestionar pessoas a apresentarem tiques, dada à sugestionabilidade dos mesmos. Portanto, é igualmente importante educar pacientes sobre fontes onde informações confiáveis desta síndrome estão disponíveis.

Várias diretrizes de tratamento recomendam que os médicos usem psicoeducação para ajudar a educar pacientes, professores e colegas sobre a história natural desta síndrome. Estratégias de como realizar a divulgação destas informações foram estabelecidas de forma que combinassem a educação em nível individual com a disseminação de recursos que podem auxiliar pacientes e membros da família no entendimento da doenças, sendo que estas estratégias estão presentes em organizações nacionais focadas na síndrome de Tourette.

Intervenções Comportamentais

As intervenções comportamentais têm a vantagem de serem eficazes na redução dos tiques sem efeitos adversos significativos e portanto, são o tratamento de primeira linha de acordo com várias diretrizes de tratamento. Pelo menos um estudo demonstrou que as intervenções comportamentais são comparáveis à farmacoterapia na redução dos tiques. A prevenção de exposição e resposta (ERP) expõe os pacientes à sensação desagradável associada a um premonitório desejo, ensinando simultaneamente a habituação ao desejo e como evitar que o tique ocorra. A reversão de hábito terapia (HRT), que envolve treinamento de conscientização, está relacionada à prática de resposta competitiva, motivação e controle de hábitos. Este treinamento foi uma das primeiros intervenções usadas com sucesso para reduzir os tiques. Sendo que existem evidências de que estas intervenções são eficazes em reduzir os tiques. Desde então, o HRT foi ampliado em intervenção comportamental abrangente para tiques (CBIT), que inclui psicoeducação, treinamento de relaxamento, recompensas comportamentais e intervenções baseadas em função. Várias críticas ao CBIT, incluindo que ele só é útil para pacientes com tiques leves, que requer um esforço considerável para pacientes, que as melhorias dos tiques são modestas e não sustentadas ao longo do tempo, e que o CBIT pode resultar na substituição dos tiques ou agravamento, foram refutados. Embora o CBIT não demonstrou melhorar as comorbidades psiquiátricas, o CBIT demonstrou repetidamente reduzir a frequência do tique e gravidade com melhora a longo prazo.

Modificações de intervenções comportamentais existentes

O estudo CBIT original foi voltado para pacientes ST pediátricos com idade entre 9 e 17 anos. Desde então, o CBIT passou por diversas modificações. Assim, o CBIT foi adaptado via “The Opposite Game” para crianças tão jovens quanto 5-8 anos de idade. Ainda, um DVD educacional de treinamento em HRT foi incorporado para as famílias em casa em paralelo ao CBIT presencial. Posteriormente, o CBIT foi expandido para configurações de grupo. Abordagens psicofisiológicas cognitivas para abordar tanto os tiques quanto os problemas cognitivos foram criados. As 8 sessões típicas entregues ao longo de 10 semanas foram reduzidas para 4 sessões realizadas ao longo de 3 meses e, em alguns casos, condensados em uma única semana. Todas as modificações do CBIT demonstraram reduzir os tiques eficazmente como o CBIT tradicional além de melhorar a acessibilidade, especialmente em comunidades onde há escassez de provedores treinados em CBIT.

Intervenções Virtuais ou Telecomportamentais

Métodos flexíveis de entrega CBIT tornaram-se especialmente importantes durante a pandemia de COVID-19, o que ocasionou uma rápida implementação generalizada da tele-saúde. Quando virtualmente, há reduções semelhantes na gravidade do tique comparável às intervenções comportamentais presenciais, e os sujeitos consideraram a tele-saúde uma forma aceitável de tratamento. Um formato virtual e autoguiado fornecido pelo site TicHelper.com está disponível para pacientes independentes usarem. Uma plataforma virtual alternativa chamada TicTrainer incorpora estratégias semelhantes a ERP por meio de um site autoguiado, e programas CBIT virtuais adicionais foram recentemente propostos. No entanto, ainda é necessária a realização de mais trabalhos para estabelecer a eficácia comparativa dessas modalidades

Biofeedback

Com base na observação de que as mudanças autonômicas afetam a expressão e frequência de tique, o biofeedback têm sido demonstrado como capaz de exercer controle voluntário sobre os sintomas através de respostas psicológicas e fisiológicas segundo estudos usando biofeedback eletrodérmico. Um estudo recente de neurofeedback fMRI foi capaz de demonstrar redução signifcativa nos tiques quando comparado ao neurofeedback simulado. Em resumo, as terapias comportamentais são geralmente de baixo risco. Quando acessíveis, são recomendadas como primeira linha ou componentes de tratamento adjuvante quando a gravidade do tique não exige intervenção farmacológica urgente.

Intervenções Farmacológicas

Apesar do amplo uso da farmacoterapia para o tratamento da ST, há uma surpreendente falta de estudos amplos e bem controlados para a eficácia da medicação na ST. Medicamentos devem ser considerados em pacientes se tratamentos mais conservadores, como intervenções comportamentais, forem ineficazes ou se os tiques forem graves. Embora haja uma grande variedade de opções de medicamentos para TS, apenas 3 medicamentos são atualmente aprovados pela FDA para uso em TS: haloperidol (> 3 anos), pimozida (> 12 anos) e aripiprazol (6 a 18 anos de idade). Na prática clínica, a escolha de qual medicamento usar depende da gravidade dos tiques, comorbidades e potenciais efeitos adversos.

Tratamento com agonistas alfa-2-adrenérgicos

Devido ao seu perfil de efeitos colaterais relativamente mais seguro, os medicamentos mais frequentemente recomendados como farmacoterapia de primeira linha são os agonistas alfa-2-adrenérgicos, que podem funcionar para suprimir o sistema nervoso simpático. Embora os primeiros estudos sobre a eficácia da clonidina tenham sido mistos, a clonidina demonstrou ser mais eficaz do que o placebo na redução dos tiques e, adicionalmente, ajuda a melhorar os tiques em pacientes com TS e TDAH comórbidos. Além disso, o adesivo de clonidina demonstrou ser seguro e eficaz para o manejo da ST e é comparável ao haloperidol. Guanfacina teve resultados mistos com alguns estudos demonstrando segurança e eficácia, mas outros não demonstrando redução significativa de tiques. Portanto, a clonidina é recomendada com confiança moderada nas evidências, enquanto a guanfacina é recomendada com baixa confiança. No entanto, a guanfacina pode ser menos sedativa devido à seletividade para os receptores alfa-2 e, portanto, é frequentemente escolhida em vez da clonidina na prática clínica. Até o momento, a guanfacina e a clonidina não foram comparadas diretamente.

Medicamentos GABAérgicos e anticonvulsivantes

Dado que as vias disfuncionais de GABA podem contribuir para a etiologia subjacente da TS, medicamentos que atuam nos receptores de GABA ou influenciam as concentrações de GABA têm sido explorados para uso no tratamento da TS. O topiramato, um antiepiléptico de amplo espectro, foi estudado em um estudo duplo-cego controlado por placebo com tiques significativamente reduzidos em comparação ao placebo, e um estudo retrospectivo encontrou resultados semelhantes. Os efeitos colaterais incluem parestesias, lentidão cognitiva e diminuição do apetite levando à perda de peso, bem como aumento do risco de glaucoma e cálculos renais. Levetiracetam teve resultados mistos em estudos controlados por placebo: um pequeno estudo com melhora e dois outros sem. Clonazepam e baclofeno foram relatados em relatos de casos e séries de casos ou relatórios abertos, mas sem ensaios clínicos randomizados demonstrando redução de tiques. O baclofeno mostrou melhora nos escores de comprometimento, mas não em tiques em um pequeno ensaio clínico randomizado. Com base em uma meta-análise de tratamentos para TS, o topiramato possivelmente apresenta algum benefício em comparação ao placebo, enquanto não há evidências suficientes para determinar se levetiracetam, clonazepam ou baclofeno teriam mais benefícios em comparação ao placebo . Na prática, o topiramato pode ser útil quando o ganho de peso de neurolépticos ocorreu ou é indesejável. Os benzodiazepínicos podem ter um papel limitado quando a ansiedade comórbida é proeminente, pesando o benefício contra o risco de dependência, e o baclofeno pode ser considerado se houver dor ou tensão muscular grave.

Agentes bloqueadores do receptor de dopamina (neurolépticos)

Devido aos potenciais efeitos colaterais significativos, os agentes bloqueadores do receptor de dopamina são geralmente usados como agentes de segunda linha. Uma meta-análise recente resumiu os efeitos colaterais mais comuns: aumento do risco de ganho de peso com risperidona e aripiprazol; níveis elevados de prolactina com pimozida, haloperidol e metoclopramida; risco aumentado de sedação com risperidona, aripiprazol, tiaprida, clonidina e guanfacina; e risco aumentado de sintomas extrapiramidais ou parkinsonismo com pimozida, haloperidol e risperidona. Além disso, podem ocorrer efeitos colaterais cardíacos graves, como prolongamento do intervalo QTC, especialmente em pimozida e ziprasidona. Na prática, esses potenciais efeitos colaterais podem ocorrer com qualquer um dos medicamentos desta classe.

Embora o haloperidol tenha sido um dos primeiros agentes bloqueadores da dopamina a demonstrar eficácia no tratamento da ST, estudos de acompanhamento mostraram que ele tem efeitos colaterais mais graves e é inferior a outros agentes. Assim, o haloperidol é normalmente usado apenas após a falha de outros medicamentos. Ziprasidona, flufenazina, olanzapina e quetiapina são antipsicóticos que às vezes são recomendados por especialistas na área; no entanto, as evidências para apoiar seu uso em TS são limitadas. Estudos demonstraram que tanto a pimozida quanto a risperidona levam a uma redução significativa dos tiques em comparação com placebo, bem como em comparação com vários agentes alternativos de bloqueio de dopamina.

O aripiprazol é um neuroléptico atípico com atividade agonista parcial nos receptores dopaminérgicos D2, além de efeitos serotoninérgicos. Duas meta-análises descobriram que em 17 ensaios clínicos randomizados, o aripiprazol foi bem tolerado, com efeitos colaterais significativamente menores e eficácia semelhante em comparação com placebo ou outros agentes. Um ensaio clínico randomizado recente comparou o aripiprazol ao ácido valpróico intravenoso e determinou que ambos os tratamentos levaram a uma redução significativa semelhante nos tiques, embora o grupo do ácido valpróico intravenoso tenha respondido ao tratamento mais rapidamente.

Benzamidas como tiaprida, sulpirida e amissulpirida são agentes bloqueadores de D2 que são comumente usados para tratar a ST fora dos EUA. Em contraste com outros agentes bloqueadores do receptor de dopamina, as benzamidas têm menos efeitos colaterais extrapiramidais. A maioria das evidências para benzamidas vem de estudos abrangentes ou relatos de casos. Não há estudos recentes avaliando a eficácia desses medicamentos.

Uma meta-análise recente descobriu que há uma confiança moderada de que haloperidol, risperidona, aripiprazol e tiapride levariam à redução de tiques em comparação com placebo, enquanto que pimozida e ziprasidona eram apenas propensos a trazer benefícios na gravidade dos tiques em comparação com placebo.

O ecopipam é um medicamento de primeira classe que possui antagonismo seletivo do receptor D1. Um estudo demonstrou que o ecopipam era seguro e levou a uma redução significativa dos tiques. Ainda, estudo com grupo placebo demonstrou resultados semelhantes. Ademais, um estudo de fase IIb chamado estudo D1AMOND está em andamento para testar ainda mais o ecopipam.

Inibidores de VMAT2

As aminas biogênicas, incluindo a dopamina, são transportadas pelo transportador de monoamina vesicular-2 (VMAT-2). Os inibidores de VMAT2 funcionam esgotando a dopamina pré-sináptica. Assim, estudos demonstram que a tetrabenazina reduz os tiques, sendo que a deutetrabenazina é um isômero da tetrabenazina com meia-vida mais longa e menor risco de efeitos colaterais. Desta forma, estudos demonstraram que a deutetrabenazina é segura e eficaz para transtornos de tiques. No entanto, os ensaios de fase 2/3 ARTIST1 e fase 3 ARTIST2 não conseguiram atingir o ponto final primário de redução de tiques. A segurança e a tolerabilidade da valbenazina para tiques foram estabelecidas no estudo T-Force, porém estudos subsequentes não conseguiram atingir o resultado primário. Concluindo que esta classe de medicamentos é muitas vezes reservada para casos refratários a outras classes ou nos quais os perfis de potenciais efeitos colaterais favorecem evitar outras classes.

Canabinóides

Os dois principais tipos de canabinóides são o tetrahidrocanabinol (THC) (psicoativo) e o canabidiol (CBD) (não psicoativo). Dronabinol é uma versão sintética do THC e o nabiximol é parte THC e parte CBD. Pacientes que relataram melhora do tique após o uso de canabinóides levaram ao interesse em estudá-los sistematicamente. Um estudo controlado por placebo de uma dose única de THC levou a uma redução significativa nos tiques e, quando administrado por 6 semanas, levou a uma melhora significativa na gravidade dos tiques percebidos e na qualidade de vida dos indivíduos, bem como nas tendências de redução nos escores de tiques. Uma revisão da Cochrane determinou que não havia evidências suficientes para apoiar se os canabinóides são ou não um tratamento eficaz para a ST. Os efeitos colaterais incluem boca seca, náusea/vômito, dor de cabeça, fadiga, desorientação e ansiedade. Os riscos que podem ser específicos do cérebro em desenvolvimento não foram totalmente explorados.

Uma pesquisa recente revelou que em pacientes que usaram canabinóides de forma independente para tratamento de ST, os pacientes tendem a preferir utilizar a cannabis rica em THC quando comparada ao dronabinol ou nabiximols. Atualmente, existem vários ensaios em andamento. Um destes ensaios clínicos randomizados foi planejado com diferentes proporções de THC e CBD versus medicamento placebo para determinar se uma composição específica teria melhor segurança e eficácia; no entanto, o estudo foi encerrado devido à baixa adesão. Ainda, um estudo comparando um composto de THC e CBD em uma proporção igual versus um óleo inerte foi registrado, mas os resultados ainda não estão disponíveis. Da mesma forma, o protocolo CANNA-TICS planeja testar o nabiximol em comparação com o placebo.

Também houve tentativas de modificar o sistema endocanabinóide endógeno no tratamento da TS. Lu-AG06466 (anteriormente referido como ABX-1431) é um inibidor seletivo da monoacilglicerol lipase (MAGL), que impede a quebra de um ligante endógeno do sistema endocanabinóide. Em um estudo controlado por placebo avaliando Lu-AG06466 em 20 pacientes adultos com ST, houve melhora significativa quanto aos tiques. No entanto, um estudo de acompanhamento multicêntrico não encontrou diferenças significativas na gravidade dos tiques entre Lu-AG06466 e placebo em 8 semanas de acompanhamento. Além desses estudos, existem ensaios ativos avaliando palmitoiletanolamida (PEA), que é uma amida de ácido graxo endógeno que imita as propriedades dos canabinóides. Além disso, a PEA pode reduzir os efeitos colaterais associados aos canabinóides, tornando-se um composto atraente para estudar em combinação com os canabinóides tradicionais. Um estudo dronabinol em combinação com PEA (THX-110) encontrou uma redução média na Escala Global de Gravidade do Tique de Yale em 20%. Além disso, as propriedades psicoativas dos canabinóides precisam ser levadas em conta ao projetar ensaios controlados por placebo no futuro.

Injeções de toxina botulínica

A toxina botulínica inibe a liberação de acetilcolina na junção neuromuscular, levando ao relaxamento temporário do músculo injetado. Houve vários relatos de casos e estudos abertos que demonstraram que a toxina botulínica levou a uma redução significativa nos tiques. No entanto, apenas um estudo randomizado e controlado por placebo foi realizado com toxina botulínica na população TS, que foi o único estudo que atendeu aos critérios de uma revisão Cochrane recente, classificando a evidência para toxina botulínica em TS como baixa qualidade. Uma meta-análise de tratamentos para TS determinou que as injeções de onabotulinumtoxina A são provavelmente mais propensas a reduzir a gravidade dos tiques em comparação com placebo.

Na prática, as injeções de toxina botulínica podem ser mais úteis para tiques focais específicos, como piscar, movimentos faciais, espasmo do pescoço e coprolalia incapacitante ou tiques vocais altos (injeções de cordas vocais). Os riscos geralmente estão relacionados à fraqueza excessiva dos músculos injetados ou circundantes, portanto, a dosagem cuidadosa e a injeção especializada são críticas.

Medicina Alternativa Complementar (MAC) e Suplementação

Devido aos efeitos colaterais associados aos tratamentos farmacológicos, há um interesse crescente no uso da medicina alternativa complementar (MAC). Uma ampla gama de modalidades de MAC, incluindo meditação, vitaminas, oração e outros regimes homeopáticos, foram implementadas, embora não sejam bem estudadas sistematicamente.

Duas meta-análises recentes relataram que a medicina tradicional chinesa (MTC) tinha o potencial de reduzir os tiques em relação ao placebo ou à medicina ocidental. O grânulo de Ningdong (GND) é uma combinação de produtos vegetais, animais e placentários que se acredita modular a via do receptor D2 e demonstrou ser bem tolerado e eficaz na redução de tiques em comparação com placebo. A cápsula de Choudongning (CDN) mostrou-se promissora em vários estudos duplo-cegos, controlados por placebo. O grânulo de 5-Ling (5-LGr) contém 11 ervas diferentes e mostrou eficácia comparável à tiaprida com melhor tolerabilidade. Outro produto poli-herbal chamado Changma Xifeng foi relatado como tendo eficácia semelhante à da medicina ocidental. Além disso, um estudo controlado por placebo está em andamento para redução de tiques de Yi-Gan San, um remédio tradicional à base de plantas que tem sido usado para reduzir a inquietação e a agitação em crianças. O mecanismo subjacente para a redução potencial de tiques por esses suplementos de ervas é desconhecido.

A acupuntura para ST foi objeto de uma recente revisão sistemática que descobriu que em 22 ensaios clínicos randomizados, a acupuntura foi identificada como superior na taxa de eficácia geral, pontuação YGTSS, número de eventos adversos e taxas de recorrência durante o acompanhamento. Esta revisão teve conclusões semelhantes a outras revisões sistemáticas sobre o tema. De acordo com uma meta-análise recente, o GND (formulado por Zhao) e 5-LGr foram mais eficazes do que o placebo para reduzir a gravidade dos tiques. A generalização dos achados desses estudos em outras populações de tiques ainda precisa ser estabelecida.

Outras formas de suplementação também se mostram promissoras. A taurina, um agonista do receptor GABA, quando adicionada à tiaprida, melhorou significativamente os tiques em comparação com o placebo e sem eventos adversos significativos. Não está claro se os níveis de vitamina D se correlacionam com a gravidade dos tiques, mas pelo menos um estudo demonstrou que a suplementação de vitamina D levou a uma melhora significativa nos sintomas de tiques. Investigações adicionais são necessárias para confirmar o benefício e determinar se a deficiência é necessária para se ter um benefício potencial. Além da suplementação, um pequeno estudo aberto descreveu uma tala oral (normalmente usada para tratar distúrbios da articulação temporomandibular) como útil para tiques. Os autores levantaram a hipótese de que a entrada proprioceptiva para o córtex insular pode ter um efeito modulador sobre os tiques, mas reconheceram que um efeito placebo pode ser contributivo.

Ensaios Clínicos em andamento

Existem vários estudos ativos ou recentes sobre novos compostos ou tratamentos inovadores para TS. Há um estudo em andamento investigando a atomoxetina, um inibidor da recaptação de noradrenalina, que se supõe melhorar a inibição da resposta em indivíduos com TS. O AZD5213 é um antagonista do receptor H3 que foi avaliado quanto à segurança e tolerabilidade na população TS, mas infelizmente não mostrou nenhuma diferença significativa em comparação com o placebo. A pimavanserina é um agonista inverso do receptor de serotonina atualmente sendo investigado em um estudo piloto de fase 1. Como a serotonina é baixa em condições concomitantes, como depressão, ansiedade e TOC, esse medicamento pode ser uma escolha de tratamento apropriada para pacientes com ST.

Também houve estudos investigando o eixo intestino-cérebro. Lactobacillus plantarum PS128 é um probiótico que pode modular os níveis de neurotransmissores no cérebro. Pelo menos um estudo demonstrou melhora nos comportamentos desafiadores de oposição em indivíduos com autismo, e um estudo está em andamento para investigar se o PS128 pode reduzir a gravidade do tique em pacientes com ST. Da mesma forma, um estudo descobriu que 4/5 pacientes tiveram redução significativa nos escores de YGTSS após o transplante de microbiota fecal.

Estudos também avaliaram se a medicação pode potencializar as terapias comportamentais. A D-cicloserina é um antibiótico que demonstrou melhorar o aprendizado. Um estudo recente demonstrou redução significativa dos tiques com D-cicloserina + treinamento de reversão de hábitos em comparação com placebo + treinamento de reversão de hábitos.

Um estudo de acompanhamento está em andamento para determinar se há efeitos duradouros quando a D-cicloserina é fornecida antes do início de cada sessão de treinamento de reversão de hábitos.
Há um grande potencial para continuar melhorando os tratamentos farmacológicos disponíveis para TS. Embora os resultados dos estudos com inibidores de VMAT2 tenham sido decepcionantes, estudos de ecopipam, canabinóides, ácido valpróico intravenoso, taurina adjuvante, vitamina D e D-cicloserina demonstraram potencial benefício terapêutico. Estudos maiores, controlados por placebo, são necessários para confirmar esses achados.

Estimulação cerebral não invasiva (NIBS)

Embora ainda não tenham um papel no atendimento clínico de rotina da ST, os seguintes métodos de estimulação cerebral não invasiva foram estudados: estimulação magnética transcraniana, estimulação transcraniana por corrente contínua e estimulação de nervos periféricos.

Estimulação Magnética Transcraniana (EMT)

A simulação magnética transcraniana repetitiva (rTMS) em frequências de 5 Hz e superiores leva à modulação excitatória, enquanto a rTMS em baixas frequências de 1 Hz leva à modulação inibitória. Muitos estudos usando estimulação inibitória direcionada à área motora suplementar (SMA) demonstram resultados muito promissores, enquanto outros estudos não mostraram diferenças significativas após rTMS, e ensaios controlados randomizados mostraram tendências de melhora nos tiques sem diferenças significativas entre estimulação ativa e simulada.

Um recente estudo randomizado de rTMS que teve como alvo o córtex parietal bilateral mostrou melhorias significativas nos escores de tiques em comparação com a estimulação simulada. Uma meta-análise concluiu que a rTMS parece ser uma opção apropriada para tiques resistentes ao tratamento. A rTMS também pode ser uma ferramenta para tratar sintomas comórbidos, incluindo TOC. Outras abordagens inovadoras incluem a combinação de rTMS com Intervenção Comportamental Abrangente para Tics, dos quais três ensaios ainda estão em fase de recrutamento. A rTMS parece ser segura em populações adultas e pediátricas. No entanto, a heterogeneidade entre os alvos de estimulação, o número de pulsos e o tamanho da amostra podem ser responsáveis pela variabilidade nos resultados, e é necessário mais trabalho para determinar os parâmetros de estimulação ideais.

Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua (tDCS)

A estimulação transcraniana por corrente contínua (tDCS) usa uma baixa corrente constante que é fornecida por meio de eletrodos conectados diretamente ao couro cabeludo. A estimulação anódica aumenta a excitabilidade cortical, enquanto a estimulação catódica diminui a excitabilidade cortical. Ao contrário do rTMS, que é cara, requer treinamento especializado para administrar, e precisa se deslocar para um centro que possui uma máquina própria para o tratamento, o tDCS é barato, portátil e fácil de administrar. Até agora, os resultados têm sido heterogêneos, com muitos estudos demonstrando melhora significativa na gravidade do tique após estimulação ativa, mas apenas alguns demonstram uma diferença significativa entre estimulação ativa e simulada. Além disso, muitos estudos foram de desenho de estudo aberto (open-label), por isso não está claro o quanto uma resposta placebo levou à melhora na gravidade dos tiques. Atualmente, um estudo está recrutando ativamente para avaliar a eficácia de tDCS para as áreas motoras suplementares.

Estimulação de Nervos Periféricos

Relatos de casos de pacientes que foram tratados com estimulação do nervo vago (VNS) para causas não relacionadas descobriram que os tiques também melhoraram quando o VNS foi ativado. Mais recentemente, um relato de caso utilizou a VNS transcutânea combinada com exercícios respiratórios para reduzir os tiques. Atualmente, não está claro como o VNS influencia os tiques, mas pode ser através da redução da “relação sinal-ruído” hipotetizada para ajudar a decifrar os sinais motores apropriados do ruído de fundo.

Sabe-se também que certas bandas de frequência, em particular alfa ou mu (8-14 Hz) e beta (15-30 Hz), estão associadas à supressão do movimento, e o arrastamento dessas oscilações corticais poderia teoricamente levar à supressão dos tiques. Em um estudo recente, pulsos rítmicos em 12 Hz para o nervo mediano levaram ao arrastamento de oscilações da banda mu no cérebro e redução significativa na frequência e gravidade dos tiques, bem como no desejo de tiques. Um estudo de acompanhamento, controlado por simulação, está atualmente recrutando na tentativa de replicar esses resultados.

Estimulação por eletroterapia craniana (CES)

A estimulação por eletroterapia craniana é uma técnica que usa um pequeno dispositivo portátil para estimular o cérebro com uma pequena quantidade de corrente. Pelo menos um estudo combinou CES com ressonância magnética funcional para demonstrar conectividade funcional mais forte no córtex cingulado anterior e atividade mais fraca na SMA, sugerindo que a CES pode suprimir a atividade cerebral desinibida associada à TS. Um estudo randomizado, duplo-cego e controlado por simulação, conhecido como Estudo da CES como um Tratamento Complementar para Transtornos de Tiques (estudo SCATT), está em andamento para determinar se a CES é uma ferramenta terapeuticamente significativa para reduzir a gravidade dos tiques.

Estimulação Cerebral Profunda (DBS)


Aproximadamente 5% dos pacientes com ST são refratários a terapias mais conservadoras e, portanto, a DBS pode ser uma opção de tratamento valiosa. No entanto, é importante estar ciente da seleção do paciente, seleção do alvo e complicações cirúrgicas antes de prosseguir com a intervenção cirúrgica para ST. Podemos observar na Figura 1 um diagrama mostrando algumas das possíveis evoluções clínicas que podem ser interpretadas como história natural da ST ou resultado de intervenções terapêuticas não cirúrgicas baseadas na Yale Global Tic Severity Scale (YGTSS) como uma medida de gravidade e frequência dos tiques.

Figura 1. Este diagrama adaptado de Casagrande et al. (2019), pretende ilustrar as indicações atuais para o DBS de acordo com critérios anteriores e mais recentes. (A) Resolução clínica dos sintomas de ST. (B) Presença de tiques que não se resolvem espontaneamente ou se mantêm estáveis com tratamentos não cirúrgicos. (C) Indicação clássica para DBS com base na gravidade da doença e idade (18 anos). (D) Indicação proposta mais recente para DBS com base na gravidade como fator determinante mesmo antes dos 18 anos de idade. Abreviaturas: DBS: estimulação cerebral profunda; TS: síndrome de Tourette; YGTSS: Yale Global Tic Severity Scale.

Seleção de Candidatos


As diretrizes para a seleção de candidatos ao DBS acometidos por ST foram publicadas em 2015 e incluem 5 componentes principais: (1) um diagnóstico de ST que atende aos critérios do DSM V feito por um clínico com experiência em transtornos de tiques; (2) os tiques causam incapacidade significativa na vida diária; (3) gravidade do YGTSS é ≥ 35 por pelo menos 1 ano; (4) os pacientes tentaram e falharam o tratamento conservador em pelo menos três classes diferentes de medicamentos e terapia comportamental; e (5) sintomas comórbidos como TDAH e TOC são estáveis por pelo menos 6 meses.


Essas recomendações foram refinadas ainda mais recentemente. Primeiro, a presença de tiques malignos pode não ser capturada por uma pontuação YGTSS e, portanto, tiques que levam a ≥ 2 visitas ao departamento de emergência ou 1 hospitalização também podem cumprir o requisito de gravidade do tique. Em segundo lugar, é relevante usar escalas de qualidade de vida para determinar se os tiques ou sintomas comórbidos são a principal causa de incapacidade. Terceiro, devido às flutuações conhecidas dos tiques, a duração da tentativa de tratamento deve ser de pelo menos 4 a 12 semanas.


Embora a história natural da ST sugira que os tiques podem melhorar com a idade e sem intervenção cirúrgica, há evidências crescentes de que a DBS é segura e eficaz na população pediátrica com ST. DBS tem sido usado para tratar com sucesso pacientes tão jovens quanto 12 anos de idade. A intervenção precoce com DBS pode reduzir o risco de isolamento social induzido por tiques, minimizar os danos dos tiques malignos e minimizar o impacto dos tiques no ambiente acadêmico e profissional durante anos cruciais de desenvolvimento. Embora não existam limites de idade estritos para DBS na população ST, a decisão de intervir cirurgicamente na população pediátrica permanece um tópico de controvérsia, e é recomendado que um comitê de ética local revise os casos de pacientes com 18 anos ou menos.


Registro Internacional TS DBS

Em colaboração com a Tourette Association of America (TAA), vários centros se uniram em 2012 para criar o International TS DBS Registry. Existem atualmente 34 centros diferentes contribuindo com dados de 700 DBS. A maioria dos pacientes foi implantada com eletrodos bilaterais e, coletivamente, foi registrada uma diminuição de 44% na pontuação total de YGTSS em todos os alvos 1 ano após a cirurgia de DBS em comparação com a linha de base. Ambos os tiques motores e vocais demonstram melhora. Os pontos fortes do registro TS são que ele reúne casos de todo o mundo para gerar comparações significativas entre pacientes, com o objetivo de fornecer recomendações para a seleção ideal de pacientes e alvos, compartilhando paradigmas de estimulação eficazes e facilitando a aprovação regulatória.


Escolha do local alvo para DBS


Pelo menos 9 sítios-alvo diferentes foram relatados na literatura, com o tálamo, globo pálido anterior (aGPi), núcleo accumbens e cápsula interna anterior (ALIC-NAc) como alguns dos alvos mais comuns (Figura 2). Dada a complexidade e heterogeneidade entre os pacientes com ST, identificar um local alvo específico para todos os pacientes com ST pode não ser viável ou produtivo. De fato, entender as diferenças individuais em pacientes com ST pode levar à individualização dos locais alvo de DBS para cada paciente. Por exemplo, a ST com predominância de tiques pode ser modulada de forma mais eficaz por alvos talâmicos, enquanto a ST com comorbidades predominantes pode ser modulada de forma mais eficaz por alvos palidiais ou ALIC-NAc, embora sejam necessários mais estudos para apoiar essas observações.

Figura 2. Alvos propostos para o tratamento DBS na síndrome de Tourette: (A) ramo anterior da cápsula interna/accumbens; (B) complexo bilateral centro-mediano-para-fascicular direcionado em uma visão anterolateral do tálamo (visões talâmicas basal, anterior e lateral do tálamo direito são exibidas para localização dentro do tálamo); e (C) diferentes partes do GPi. O eletrodo 1 está localizado no GPi póstero-ventro-lateral e o eletrodo 2 está localizado no GPi antero-medial. As representações 3D são reconstruções histológicas post mortem dos núcleos do Atlas de Würzburg do Cérebro Humano da Universidade de São Paulo (Alho et al, 2018). Abreviaturas: ACC: accumbens; Cau: núcleo caudado; GPi: globo pálido interno; GPe: globo pálido externo; Put: putâmen; ALIC: ramo anterior da cápsula interna; CM-Pf: complexo centromediano-parafascicular-talâmico; LG: grupo talâmico lateral; STN: grupo subtalâmico.

Resultados do DBS


No geral, há uma melhora de 30 a 50% nos tiques após a DBS, independentemente do alvo. Houve uma série de pequenos estudos direcionados ao tálamo e ao globo pálido interno (GPi) que demonstraram melhora significativa na gravidade dos tiques. Um estudo recente comparando estimulação ativa e simulada em 8 pacientes adultos com ST demonstrou uma redução significativamente maior do tique na fase de estimulação ativa em comparação com a fase de estimulação simulada. A combinação de estimulação talâmica e palidal não reduziu significativamente os tiques em comparação com qualquer tipo de estimulação isoladamente. Além disso, idade mais jovem, YGTSS de linha de base mais baixo e escores de comprometimento de linha de base mais graves demonstraram prever melhores resultados de DBS. Complicações de DBS na população TS ocorrem em taxas semelhantes a DBS para outras indicações.


Estimulação Adaptativa


Os potenciais de campo locais (LFPs) possuem características específicas que se correlacionam com os tiques e podem teoricamente ser analisados pelo sistema DBS em um paradigma de “circuito fechado” para ajustar os parâmetros de estimulação de forma independente. Explosões de oscilações na faixa teta foram associadas a pior gravidade do tique motor. Já a estimulação adaptativa minimiza a quantidade de estimulação indesejada quando os pacientes estão em estado livre de tiques e também reduz os requisitos de energia do IPG. Pelo menos um relato de caso demonstrou redução significativa de tiques com neuro-estimulação adaptativa em resposta a uma banda oscilatória de 5-15 Hz, que foi comparável à redução de tiques observada com estimulação programada, bem como uma melhora de 63% na vida útil estimada da bateria.


Conclusões


As opções de tratamento evoluíram muito nas últimas décadas, permitindo mais oportunidades para melhorar a qualidade de vida dos pacientes com ST. Modificações nas terapias existentes permitiram que as intervenções comportamentais fossem mais acessíveis por meio de plataformas virtuais de CBIT, condensando o número de sessões de CBIT em um período de tempo menor e fornecendo terapia comportamental em um ambiente de grupo. Essas modificações são especialmente relevantes durante a pandemia de COVID-19, em que a alocação de recursos e a adaptação à telemedicina são primordiais.

Existem várias opções farmacológicas potencialmente promissoras no horizonte que podem expandir a capacidade de reduzir os tiques, esperançosamente com menos efeitos adversos. Além disso, existem muitas opções de MCA via MTC ou suplementação vitamínica que são de baixo risco e podem expandir as opções de terapia primária ou adjuvante. Finalmente, o futuro do domínio da neuromodulação traz muitos desenvolvimentos empolgantes, incluindo o uso de NIBS para melhorar os tiques, bem como DBS de circuito fechado, que pode adaptar a estimulação à fisiologia única de um paciente. Embora o tratamento mais eficaz para TS ainda dependa dos sintomas individuais e necessidades do paciente, esses desenvolvimentos comportamentais, farmacológicos e neuromodulatórios continuarão a pavimentar o caminho para o futuro tratamento da ST.

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